Afinal, é o artista um ser privilegiado que cria inspirado pelos deuses ou um simples trabalhador, quase um artesão que se entrega humildemente a sua tarefa? Essa pergunta é tão velha quanto qualquer outra reflexão sobre a arte, e até hoje não se descobriu uma resposta taxativa. Se pensarmos em Jackson Pollock, por exemplo – o americano criador da action-painting, com tintas atiradas a esmo sobre a tela estendida no chão-, a criação é um frenético exorcismo. Já se se pensa em Volpi, franciscanamente instalado em sua casinha no bairro do Cambuci, em São Paulo, o ato de pintar se torna uma alquimia paciente e delicada.
Tudo isso é dito para tentar situar com justiça a obra do jovem artista Otávio Roth. Ele mesmo subintitula sua mostra: “o processo artesanal como linguagem”. Quer dizer: seu objetivo é fazer com que o próprio fazer gere obras com um significado. Ou melhor: seja o significado. Ao fabricar papéis por processos rudimentares, Roth lhes incorpora pigmentos, corpos estranhos, materiais variados, que criam padrões, texturas, até formatos especiais. Sua preocupação não é plástica, no sentido tradicional de produzir bonitas superfícies. Mas estas acabam aparecendo, e se aparentam com efeitos anteriormente obtidos por outros artistas, inclusive com sutis lembranças de Paul Klee. A grande diferença – repitamos- não está no resultado, e sim no processo. A ponto de não haver, no conjunto dos trabalhos, grande preocupação com a unidade.
Mas voltemos ao ponto de partida. Deliberadamente, Otávio Roth se pôs do lado do artista artesão, à la Volpi, e não do inspirado, tipo Pollock. Pode-se até dizer que, em princípio, esta opção é a mais sábia. Mas, ao mesmo tempo, cabe perguntar se de fato Roth já conseguiu elevar-se ao nível de uma linguagem. Por esta se entende, naturalmente, um sistema articulado capaz de transmitir informação. A de Roth está ainda limitada por sua lua-de-mel com a gramática. E por não ter ainda conseguido incorporar a seu universo um elemento de transcendência, vamos dizer até de inspiração. Pois, na verdade, a grande arte não resulta só de um pólo ou outro, Vem do esforço, sim, é ourivesaria e artesanato – mas sempre a serviço de um demônio interior.
Olívio Tavares Araújo, “Ainda o artesão ou já o artista?”, Istoé (04/08/82)